segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Pill'n'Thrills and Bellyaches - Um conto de Junior Aragaki



Tinha o tiozinho da Brigadeiro Luiz Antonio, "Seu Zé". O único pulgueiro na região do Bixiga que deixava menores de idade hospedarem-se. Era uma portinha de vidro com uma campanhia, um corredor com uma escadaria no final
que subia para os quartos.
Logo após a porta, á direita ficava o guighê-residência do "Seu Zé". Nunca descobri se ele era o dono, ou o gerente daquele hotelzinho, que tinha apenas 8 quartos, e apesar da péssima aparência do anfitrião, os quartos eram limpos e arrumados.
O melhor de tudo era o preço. Virou minha segunda casa.
Pensando bem, talvez ali tenha sido o primeiro lugar que eu poderia chamar de "meu lar". Eu acabara de sair da casa dos meus pais e estava vivendo por ai. Uns dias na casa de um ou outro amigo, mas hotel era difícil pois além de não ter grana, eles não aceitavam "dimenor". Passei dias internado ali, sem ao menos sair do quarto com a Gi, uma namorada
que na época já era maior de idade.
Normalmente saiamos cambaleantes do Satã e acabávamos no hotel do tiozinho.
Até que numa destas noites Seu Zé não estava no guichê, em seu lugar uma mulher,
bonita, mas tão carrancuda, que ficava bruxa. Ela pediu os documentos e quando viu minha idade, ralhou:
- Mas você é "dimenor" meu querido, "não posso te aceitar você aqui!".
- Como não, eu me hospedo aqui faz tempo! Cadê o "Seu Zé"????
- Tá "diferiashhhss"!!!!!
- Mas isto aqui não é um hotel? Eu quero me hospedar. Retruquei acalmando a Gi que queria saltar no pescoço da mulher atrás do balcão.
- Num possu fazê nada, num aceitamus dimenor!!!
- Se você não me aceitar aqui, vou ter que dormir na rua, e quero ver você se
responsabilizar se algo acontecer!!!
- Olha ja falei num possu fazê nada. Ordens são ordens!!!
- Mas ordens de quem!!!! Merda!!! Gi saiu correndo, e eu fui atrás, quando abro a porta, ela vem acompanhada de dois policiais que sempre estacionavam na esquina da Brigadeiro. Ela chegou esbaforida no balcão e gritou apontando a mulher:
- É ela! Ela não quer nos hospedar! Por acaso existe alguma lei proibindo menores de idade de se hospedarem com alguém responsável?
- Realmente não existe nada sobre isto. Vocês podem se hospedar aqui sim!
Era a segunda vez que eu ficava agradecido a um policial naquela região. Que merda, isto estava ficando frequente.
Na semana seguinte, eu dançava na pista do Madame ao som de Shelter from the rain, do All About Eve. O PQ estava inspirado aquela noite. Talvez levado pela paixão recente, embalado pela sua eterna musa Christine (The Strawberry Girl)!!!
Estava no estado habitual de embriagues...............bêbado.
Robertão dançava animado ao meu lado. Escorando-se chapado no meu ombro, ele saliva no meu ouvido:
- Bebe ai!!!!!Bebe ai!!!! Me oferecendo um copo.
- Bebe ai! Cuspia ele, fazendo um enorme beiço.
Dei um gole. Era horrivel e não consegui identificar se era pinga, vodca ou gin, mas certamente estava misturado com alguma substancia quimica, o gosto amargo no final entregava facil.
- Golão, golão, golão!!!! Beiçolou ele, empurrando o copo na minha boca.
Dei um gole enorme e no fim escorreu um pó grosso e muito amargo pra minha boca.
Fiz careta e engoli. Ele me puxou para fora, e no terraço, sob a luz de uma vela, abriu a mão e me mostrou!!!!! Vários comprimidos e pílulas coloridas, valium, optalidon, e sei lá mais o quê!
Jogou varias no copo e amassou com o isqueiro, tirou uma garrafinha de plástico do bolso, despejou um pouco de bebida e sacudiu, depois completou o copo até a boca, virou metade num só gole, e me ofereceu o resto.
Recusei. A dose anterior estava batendo, eu estava vendo uma porta onde antes haviam apenas pixações.
Mas não era nenhuma alucinação. Realmente havia uma porta ali, e se abre revelando um pequeno corredor de paredes com almofadas vermelhas, adornado com espelhos, vários espelhos e um barzinho com prateleiras de vidro a esquerda. No fim deste pequeno corredor, uma pérola efêmera na noite de São Paulo.
Imelda Marcos, a casa de Salsa dos mesmos donos do Madame Satã e que durante um curto período permitiu a passagem de alguns vips de uma casa para a outra, de modo que as vezes estava tocando Bauhaus na pista do Satã, você ia pro Imelda e ficava observando alguns casais dançando Salsa e Merengue. Era muito divertido. O Imelda tambem parecia uma gaiola gigante, ferro e metal pra todo lado, e os tiozinhos lá bailando sem compromisso algum com a vida.
Naquela noite fiquei um bom tempo ali, apreciando aquele bailar suave, mas logo me enchi e sai com Salsa retumbando na minha cabeça, volto pro Madame e na porta do corredor encontro novamente com o Roberto, acompanhado pela turma de sempre. Ele esta de pé em uma caixa de cerveja, e com o braço esticado roubava varias garrafas das prateleiras de vidro do barzinho do Imelda. Ele passava as garrafas para a galera, e elas simplesmente desapareciam no ar, como mágica. Nunca houve uma noite com tantos bêbados! Depois de algumas horas o mundo todo dormia espalhado pelo chão do Madame Satã!
Até mesmo na pista haviam bêbados caidos por todos os lados, e eu ali, chapado, tentando dançar me desviando dos corpos. Numa noite com bebida a vontade, eis que surge ela, loira, linda, irresistível, e começa a dançar ao meu lado no que sobrou da pista. Ou ela dançou na pista com o que sobrou de mim. Realmente eu não sei.
Fiquei de frente para gata, e em instantes estava sentado numa das maquinas de lavar/iluminação, atracado a aquela beldade.
Peguei a garrafinha com a bebida estranha do bolso do Roberto, que dormia abraçado com uma japa na escada, e sai com a garota pro hotel do tiozinho.
Até hoje não consegui descobrir que bebida era aquela, muito menos o que aconteceu naquele quarto. Não sei se trepei, se dormi, o fato é que acordei nu, entrelaçado na garota. E então tive um susto! E pulei pra fora da cama.
A beldade era uma gordinha gótica super pegajosa, daquelas que ficam a noite toda serrando bebida e cigarros. Estava com a maquiagem gótica a escorrer pela cara, o cabelo descolorido meio ensebado com as raizes escuras grudados na orelha.
Show de horror! Parecia o Alice Cooper de ressaca! Mas juro que até as 4 horas da manhã, ela era linda! Realmente não sei o que foi que aconteceu com ela.
Metamorfoses que nem o Kafka explica!!!!
Silenciosamente comecei a me vestir, eu só queria sair dali o mais depressa possível, eu estava quase prendendo a respiração para não fazer barulho, mas quando peguei minha jaqueta, ela acordou, e pulou sorrindo da cama:
- Bommmm dia GATO!!!!!Era só sorrisos. Comi, pensei.
- Foi uma noiiiitii tão maravilhosa!! Hummmm comi e ela gozou.
- Eu to muito atrasado, preciso sair fora agora!
- Ah tambem ja tô de saida GATO! Ah se eu fosse um gato.....pularia imediatamente pela janela.
Sem opção, subi a Brigadeiro em direção a Paulista, de maõzinha dada com o Alice Cooper, e rezando pra não encontrar algum conhecido.

Um comentário:

Unknown disse...

kkkkkkk, é a bebida fazendo pessoas "bonitas" desde o início dos tempos kkkkk, valeu por mais um relato! Bjs!!!!